sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

Decretos

Fica
Proibida a inteligência
Riremos de toda ciência
Extinguiremos o bom senso
Doravante
Avançaremos para trás
Faremos pouco e muito mais
Desviaremos do consenso

Fica
Instituída desde já
A liberdade pra matar
Mas cercearemos os afetos
Celebraremos
Amplamente a dor alheia
Semearemos à mão cheia
Com os venenos mais completos

Ainda
Pois só um deus é verdadeiro
Cultuaremos o dinheiro
E louvaremos a quem tem

Ampararemos
Famílias com 80 tiros
Defenderemos nossos filhos
Dos perigos do professor
Por fim
Torturaremos a esperança
E negaremos a fiança
À impunidade do amor

sábado, 17 de outubro de 2015

Último desejo

Quando eu morrer não se façam o dispêndio
De me enterrar em caixa preta sob o chão
Entreguem, pois, meu corpo aos vilipêndios
Aos ultrajes de uma instituição

Pra que os jovens estudantes da nação
Venham usar seus bisturis em causa séria
Me cortando desde a pele, cada artéria
E um buraco no lugar do coração

Que eles façam, porém nunca saberão
Ao arrancar assim meu coração do peito
Que nesse corpo outro vazio desse jeito
De muito antes, foi deixado por teu não.

terça-feira, 22 de setembro de 2015

22 de setembro

a beleza desse dia é o meu tema
por ocasião da primavera
quando as flores nascem
e o seu riso
desbrocha.
eu quero te dizer nesse poema
que por ocasião da primavera
quando as cores do teu riso surgem
o meu peito
desabrocha.

terça-feira, 1 de setembro de 2015

Pirita

Querido diário
eu tive um sonho,
-inegável pujança-
eu ia encontrar meu tesouro
nas montanhas das minas gerais

e nesse itinerário
em quantas andanças
me perdia
abria túneis demais

mas um dia, ao sair
-poucas pedras,
semi-preciosas lembranças-
eu via um sol:
me cegava
um brilho de megatons de esperança.

sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Manifesto autofágico

Quero fugir de mim mesmo. Porque ser uma coisa só, uma vez só, não me basta. Quero fugir de mim mesmo por ter a minha alma tão gasta... Porque estou vestido, de roupas e títulos e instituições, quero fugir de mim mesmo. Porque uma vez só é nunca, quero viver muitas vidas. Quero que doam as feridas, e quero curá-las. Quer uma vida tranquila, e quero arriscá-la. Quero fugir de mim mesmo porque nunca coube em mim. Quero fugir do conforto, e assim, quero perder-me em mim mesmo. Quero o privilégio de não ter razão, de não conhecer o pudor, de não ter coração. Quero fugir de uma vida correta.
Transgredir a linha reta. Quero meu corpo e meu canto torto. Quero que, antes de morto, eu tenha vivido sem fim. Quero cortar os meus pulsos, desde que conserve os impulsos, quero ser outros em mim... Porque estou preso a uma vida, eu plural; quero ir além do normal. Quero ser tantos em mim. Que não sou de me ocupar, como as pessoas da sala de jantar. Talvez eu só queira nascer. Sem morrer. Sem nada nas mãos ou no bolso, sem senso, sem documento. Quero fugir da casa onde eu moro sozinho. Quero errar meu caminho, e ainda mais. Eu sou apenas um rapaz, agindo, acreditando. Acertando e errando. Eu quero vagar pelo mundo. No fundo, no fundo, eu imundo e puro, só quero em cima do muro, e nas três margens do rio. Que pra preencher meu vazio, uma vez é nunca. Uma vez é jamais ter vivido..

terça-feira, 7 de julho de 2015

Já que gastei todo o esmalte dos dentes

Já que gastei todo o esmalte dos dentes
Rangendo as minhas paixões madrugadas
Que pr'essas páginas, insuficientes
São minhas duas retinas queimadas

Já que sonhei tantas vezes contente
De amor vivido ou vaidade saciada
É-me esperado um ar indiferente
O olhar de quem já conhece uma estrada

Mas tão somente, questão de teimar
De rejeitar a via mais segura
Ou por não ter acertado um lugar

Onde eu caiba em completa estatura
A essa altura, eu só pense em arrancar
Tua roupa, teu beijo e ternura.








sexta-feira, 26 de junho de 2015

Nacionalismo

Extra, extra! Arco-íris pelo céu
Novas novidades
Rumores de que o amor venceu uma batalha na América
do Norte

Celebremos, troquemos carícias
Mas sem esquecer nossas velhas notícias
Dos mortos por causa do afeto
Das crianças das crenças apedrejadas na escola

O céu do meu país tem mais estrelas
O congresso nacional tem mais pastores
Lá, lá, lá, lá
Ninguém segura a juventude do Brasil


Gullar, o pão ainda é caro
Nosso riso é solto a duras penas
O amor continua tão raro
E a liberdade, pequena.


terça-feira, 23 de junho de 2015

Linha do tempo

em que postagem
deslizada com o dedo
pela tela do aparelho

que almoço requentado
que programa de tv
em qual segunda-feira

em qual conta por pagar
qual veneno da rotina
qual revés da juventude

nosso amor virou a esquina
e a poesia
comentário no facebook?

sexta-feira, 15 de maio de 2015

Imperativo

Transforma a tua dor em poesia
Tua solidão, em poesia
Transforma até, em poesia
As cores opacas do mundo
As crianças famintas do mundo
Há crianças famintas no mundo!
Lembra na tua poesia.

No entanto, ou todavia
Não transmutes a poesia
Essa que deve ter sido inventada
Pelo Pessoa ou de Andrade
Nos teus jogos de linguagem vazia
Num comboio de palavras
Desaconchegante e indiferente
Pois que a poesia é morada
[e é preciso pensar nisso seriamente]
De sentimentos
que não tem outra paragem.

quinta-feira, 14 de maio de 2015

A barbearia

Tinha que ser exatamente naquele lugar: na parte mais velha da cidade, quase invisível, num prédio velho e sem a vocação para a função comercial que se lhe desejam atribuir, do lado do teatro e da praça boêmia. Tudo naquela barbearia era precisamente do jeito que deveria ser. As cadeiras reclináveis de metal tão maciço e pesado como já não se fabrica há tempos, as tesouras inoxidáveis e a caixa registradora que não deve ter menos de cinquenta anos. Talvez porque representasse um hábito tão em desuso, a barbearia era um museu vivo, bonita e ativa como uma árvore centenária.
Nunca reservei qualquer apreço por nenhuma das coisas convencionalmente masculinas. Em uma sociedade tão machista, cultivar qualquer das representações e costumes associados à masculinidade parece inevitavelmente arrogante e ofensivo. Na barbearia, no entanto, eu confesso que senti, pela primeira vez, um inegável prazer em ser homem.
Explico. Na barbearia, o ser homem adquiria uma delicadeza forte e terna que, eu imagino, no universo masculino deve ser comparável apenas à sensação de ser avô. O barbeiro, senhor Nelson, era a tradução perfeita dessa delicadeza. Devido à minha memória absolutamente sentimental e pouco exata, mal consegui gravar o seu nome, mas os cabelos brancos e a pele que registram sua idade [exatamente como eu gostaria que fosse; por mim, deveria ser proibido tornar-se barbeiro antes dos sessenta anos], e o cheiro de talco nas mãos firmes formam uma lembrança sólida. Senhor Nelson, o barbeiro ideal aquiescia com uma naturalidade espantosa para um homem de sua idade, quando eu pedia um minuto para prender os cabelos.
Numa rara ocasião, meus cabelos longos ou o brinco que espeta minha orelha, em nada pareceram desencaixar-me daquele ambiente cuja noção de masculinidade remonta a outro século. Na barbearia, ser homem era bonito: com súbita intimidade, o barbeiro tocava e moldava o desenho do meu rosto. Suavemente, penteava e cortava os pelos de minha barba. Ao usar a navalha, o senhor Nelson redobrava os cuidados, alertando que minha pele era muito sensível.
Mais sensível, no entanto, era todo aquele ritual. A beleza de confiar o cuidado com meu rosto, de submeter-me, expondo o pescoço à navalha daquele homem, que com ares de anjo e artista, me mostrava que a delicadeza pode ser algo muito masculino. A delicadeza forte de ser homem, assim como é delicada a força da mulher. Foi como ingressar num clube secreto, num rito milenar. Na barbearia eu me orgulhei de ser homem pela primeira vez.

sábado, 6 de outubro de 2012

Torrado e moído


Pus o pó no filtro de papel
fervi a água
sem açúcar
- já vem adoçado - 
quis puro e forte
amor sem leite, quente e cheiroso:
bebi de um gole

Queimei a língua.

domingo, 16 de setembro de 2012

Instante

o riso é fácil
por (f)ora:

par de olhos de bordas
com tanto cuidado
marcadas em negro
por dentro:

escorregadia.
não têm atrito meus olhos
quando contemplam
o riso

que é fácil e farto
e que brilha.
[suspiro]

mistérios e abismos sem fundo
da alma de uma mulher!
mergulhar é preciso
compreender não é preciso

olhos tão profundos
é certo perder-se
- quem sabe, voar -
por dentro das íris
por trás de um sorriso

os meus que viviam
até este instante
amanhã (vi)verão?

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Dez para um

Da maior importância
Do mais completo absurdo
vendedores juízes professores prostitutas presidentes e outros cínicos profissionais
mães e outras entidades sagradas
militares suicidas porteiros e outros cartesianos
Humanos demais.

gira a Quadrilha
Duas mãos já não abarcam
todo o sentimento do mundo

Alguma coisa está fora das nuvens de dados
tão difícil tão simples difícil tão fácil
As palavras se gastam todos os dias

Todas as coisas passam, exceto
o tempo, que passa e fica
o amor, que passa
e fica causando acidentes
Do mais completo absurdo
Da maior importância.

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

História do tempo presente

Pode vir com
Armas, unhas e dentes
Com mil panos quentes
Mistérios assim.

Venha com ares
De dores, de paz
Com quilos a mais
Ou a menos e rugas

Com dobras e marcas.
Venha com fomes
Com sedes tamanhas
Manias estranhas

Não venha, enfim
Com sonhos de posse.
Não fale com hálito pobre
Por fim, não me cobre

Promessas futuras.
Que o choro é latente
E a vida é finita
Ainda que dura.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Atroz [ou à trois]

Eclipse oculto
a seis mãos
quatro seios
E dois pés da cama quebrados

A boca, na boca, na boceta
Enquanto a boca
Geme
E morde o lábio

Dança de corpos
Celestes?
Suor
Movimento
E sons

Mil tons
De dor, de gozo, desejo
As peles lisas
Em contraste
Com os pelos do meu rosto e caralho

Inequação
Indivisível
Satisfação.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Elegia da seca

Por falta d'água
Ou de vergonha:

Vende o bicho magro
Enquanto não morre
Feijão, oito reais
Nem água bota

Vende a esperança
Enquanto não morre
Que nesses olhos
Nem água brota

Onde não dá milho ou feijão
Colhe o ceifeiro

Pedaços de papel pintado:
Dinheiro, jornais
Leis, contratos
Escrituras, poemas

Matam mais que o cigarro
A escrita é a mãe do silêncio.

E silêncio
É o que mata
A seca não, e no luto

O silêncio
É o que fica,
Depois da morte, um minuto.

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Poema de amor

Na língua
Portuguesa ou na sua
Eu tropeço
Passeio, trapaceio

Calo, ou falo
Ou pelo, vulva
Aperto
E rompo
a linha. O ponto
O hímen

Verso-inverso
        Verso-inverso
Imerso-inverso
            Inverso-imerso.

Depois da estrofe:
Pausa.
Reticência
Ou morte.

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Num instante

O ar quente embaçava
os vidros do Peugeot
em frente ao supermercado.
O rádio devia tocar
ninguém ouviu.
Mas lembro
do gosto do beijo,
do perfume escondido atrás da orelha
e dos pelos
arrepiados da perna direita.
As gotas de chuva brilhavam
refletindo os faróis
pela Frei Serafim.



Caí

e sabia que ia dar nisso:
o amor é um precipício
muito bem sinalizado.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

As palavras o poeta

||Ao poeta Adriano Lobão Aragão||

Curtos versos
Pouca estatura
Pelúcia barba
Olhos de pingue pongue

O contradito desenredo de palavras
Será motivo
Dos sonhos das que sonham?

[Jaz aqui um verso]
Os sonhos
Movem os olhos de Adriano:

Pequeninos olhos
Ternos
Flutuantes.

quinta-feira, 29 de março de 2012

O silêncio que sucede o grito

Sempre reclamava. De tanto reclamar era poeta, literato, ou coisa assim. Escrever era uma maneira sofisticada de reclamar. Do mundo, da vida, e sobretudo do amor, ou qualquer coisa que se sinta. Tinha paixão pelo inalcançável, talvez para poder reclamar de nunca consumar o que desejava.
Reclamar era matéria e método de toda criação. Combustível dos neurônios, catalizador da substância intangível que chamam talento, dom, alma, ou mesmo deus.

[Passaram-se muitos carnavais, e depois do carnaval]

Já não havia o que dizer, pois não havia do que reclamar. Mesmo a má sorte que insistia em pequenos detalhes do dia-a-dia não era motivo. A falta de dinheiro pouco importava; nem chuva forte, nem café fraco. Só reclamava do silêncio. Do vácuo que deixava a falta de ter do que reclamar.

Ela não entendeu a tentativa de explicar: O silêncio é paz. Os versos de amor que não escrevia pra ela eram culpa do consumado: amor só é poema quando dói; quando silêncio, é felicidade.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Sabina

Sabina usa chapéu, gosta da nudez e
de espelhos.
Entrega-se sem se deixar pertencer
                                  Ama
Tão simplesmente
Sabina gosta de gente
- detesta as pessoas -
Pois sabe que o mundo padece

Sabina acredita, tem medo e desejo
Nua, chapéu, pêlos e olhos de dúvida
[que ela provoca]
Sabina mantém a exata medida
Do acessível
E da insustentável leveza
Do intangível.

Sabina é espelho
Do humano que sou e que sonho
De chapéu e nu
A alma virgem
O corpo maculado
É Sabina
O meu amor
[que não existe]
Caralho!

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Extremos

O pior porre é o de vinho. O pior computador é o CCE. A pior casa é a rua. O pior sorvete é o feijão. A pior cerveja é a quente. O pior calor é o de Teresina. A pior internet é a discada. O pior celular é o chinês. O pior programa é o Faustão. A pior embriaguez é o sono. O pior amigo é o cigarro. O pior cigarro é o facebook. O pior sinal é o da Tim. O pior cartão é o Credishop. O pior carro é o QQ. O pior canal é o SBT. O pior sexo é o vazio. A pior carne é a de soja. O pior governo é o do Maranhão. O pior café é o solúvel. A pior doença é o câncer. O pior câncer é a mentira. A pior mentira é de amor.

O melhor porre é o primeiro. O melhor computador é o Aple. A melhor casa é a sua. O melhor sorvete é o Kibon. A melhor cerveja é a Bohemia. O melhor calor é o humano. A melhor internet é a do Japão. O melhor celular é o de teclas. O melhor programa é o cinema. A melhor embriaguez é a paixão. O melhor amigo é o cachorro. O melhor cigarro é o silêncio. O melhor sinal é o verde. O melhor cartão é o quebrado. O melhor carro é o do outro. O melhor canal é o AV. O melhor sexo é o carinho. A melhor carne é o sexo. O melhor governo é o da oposição. O melhor café é o da tia. A melhor doença é o sono. O melhor câncer é o falso. A melhor mentira é por amor.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Pscicopatia

s.f.  Perturbação da personalidade que se manifesta essencialmente por comportamentos anti-sociais (passagens a ato), sem culpabilidade aparente. Ausência de culpa. Cadeados destrancados. Ausência de sentir. Hábito de ler poesia em voz alta nos dias de chuva. Ato de raspar os cabelos cacheados. Guardar velhas escovas de dentes. Guardar velhas paixões. Substância que atinge a corrente sanguínea ao minimo rumor da presença dela. Obsessão, idéia fixa. Vontade de dizer coisas belas e sujas. Planos mirabolantes. Desejo de morte e de vida. Sorriso amarelo. Desejo súbito de tomar a mulher do próximo. A luz do sol por trás de cortinas de algodão. Sentir falta e não saber de quê, mas desconfiar. Estado da alma provocado ao descobrir uma variação sueca para Catarina.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Faltando um pedaço

Eu tentei: Chico, Neruda, Drummond, Vinícius, Aurélio, Caetano, Pessoa, Gil, Camões, Marquez, Arnaldo, Djavan, São Paulo, Rossi, Baleiro, Odair... Tentei nas comédias românticas de Hollywood, nos muros pichados, nas citações anônimas que assinam como Caio, Clarice ou Jabor. Nos videos publicitários do 12 de junho, no horóscopo da internet, até prestei atenção ao mais novo hit sertanejo universitário que tocou no ônibus.
O amor não é isso.

O amor não é coisa alguma até doer. O amor não é nada se não for abismo. O amor não é palavra, embora precise ser dito. O amor não é sublime. O amor não é recado deixado na parede do banheiro. O amor não é porta retrato com vidro pra quebrar em caso de saudade. O amor não é um sms de madrugada. O amor não é, em si mesmo.
Amor é mais.

Farelos de pão e o café que sobrou na cafeteira se parecem mais com amor.
O amor são coisas que eu não sei dizer.

sábado, 21 de janeiro de 2012

Para um encontro casual ou O meu amor de criança

Vamos, movam-se!
Aqueçam por força o óleo das engrenagens do cérebro
Que dessa vez é paixão antiga

Minhas fáceis palavras, não fujam dos raios x dos olhos dela
Não me deixem tão sozinho e nu
Não abandonem aqui essas poucas que me expõem ao ridículo

Vamos ensaiar, palavras!
A coreografia pode ser aquela que funciona sempre [quando não é ela]
Que a música é um rock balada em 4/2:

123, fingir desinteresse!
... [espaço reservado ao que ela disser]
7 e 8 humor inteligente [façam-na sorrir]
agora um Elogio sincero e súbito
[as palavras dela vão fugir]
hora da Bobagem fazer a descontração
sorriu, caminho aberto: o Silêncio!

-fim do primeiro ato-

Hora da apresentação, evitar os olhos dela
Ótimo, começar a dança.
...
7 e 8, ela sorriu.
Palavras?

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Do desassossego

O mês de agosto tem gosto de remédio para verme, e talvez tenha o mesmo efeito, pois setembro é natal. Outubro é sempre às duas e meia da tarde, assim como novembro tem cheiro de feijão no fogo na hora da fome e é aquela agonia pra que o tempo passe.
Compreendendo que dezembro seja o instante feliz, que metáfora eu deveria utilizar para deixar bonito sutil e simples isso que é tão pouco compreensível e que por isso mesmo não carece de explicação?
Eu sei que aqui em casa a geladeira tá fazendo um barulho de trator e o tapete da sala se sente sozinho; o ventilador fica dizendo que não com a cabeça, o leite estragou e a cama está mal acostumada a me ter só para ela, mas tudo isso é janeiro.
De dezembro eu só sei dizer, talvez, que havia passarinhos na rodoviária e que o trânsito tentou me segurar com um abraço. Sei dizer que eu não ouvi as músicas de natal e que as luzes da cidade só brilharam nos meus olhos, de dentro pra fora. Sou incapaz de descrever o gosto, assim como não sei de cores. Talvez a textura do mês de dezembro se assemelhe à de uma mão de mulher, e talvez tenha cheiro de alguma coisa que remeta a um momento feliz da infância.
É muito pouco qualquer coisa que eu diga, mas o livro que grita o seu nome de noite como criança abandonada me ensinou que escrever o que eu sinto alivia a febre de sentir. Fosse ficção, queria a vida como um reggae do Gil: congregar, reunir elementos diferentes. Pois assim ela o é, e eu quero. Quero o alegre e o triste, cheiro de mato e internet, café e chocolate, o doce e o azedo, o leve e o pesado dessa coisa tão simples, 
incompreensível 
e única 
da presença
de você.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Cem anos de solidão

O pulso ainda pulsa!

Enquanto o incomodavam as pontas das penas no travesseiro, gastou uma parte dos seus últimos impulsos elétricos para escrever uma história de amor, dessas de amor impossível: de moça na torre alta e sem cabelos para jogar, de escravo e senhorinha, de lugares distantes sem promoções da gol. Na sua história, amor não era poesia, mais bonito com o sofrimento. Era amor que cansava de tanto não acontecer, que se gastava de  ficar guardado.

...

Foi quando resolveu tirar o coração da caixinha que ficava dentro da sacola de TNT fechada com corda de nylon guardada dentro da gaveta de roupas que não servem mais e que ficam esperando serem doadas. Tentou ver se o pouco que restou ainda preenchia o vazio no peito, olhou uma foto dela no facebook e tumtum - tumtum: amou.

...

De idade, não era velho, nem roído de amargura. Esqueceu de perguntar ao coração se ele mentia, esqueceu de perguntar que horas eram pro relógio de parede, esqueceu de perguntar pra ela o que sentia. Esqueceu ou não perguntou porque preferia não saber. E foi ser sensível na vida, o bobo.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Conto de sábado

No dia seguinte, você me acordaria em muitas etapas, pois sabe do meu sono de manhã; primeiro com a sua ausência, que me acordaria um pouco, depois o cheiro de café, em seguida, você chegaria sorrateira e me faria um afago, e sorriria do meu mau humor que me faria resmungar absurdos sobre preferir morrer a ter que acordar; sorriria ainda quando eu reclamasse da sua insistência que eu sabia que era essencial, mas que nessa hora pareceria absurda. E você voltaria à cozinha e ficaria lendo alguma coisa sentada perto da porta enquanto eu me arrastava da cama pra tomar um banho que certamente lavaria o meu humor. Depois, quando eu chegasse renascido, encontraria você com olheiras e óculos, com o cabelo despenteado e preso de qualquer maneira, preferencialmente com uma caneta; você estaria vestindo a primeira camisa que viu no cabide [por favor, sempre esteja vestida numa das minhas camisas pela manhã] e simplesmente ignoraria a minha presença porque aquele momento seria só seu. Eu iria à mesa e poderia fritar alguns ovos, se você quisesse, e provavelmente faria piadas sobre as suas habilidades culinárias para chamar sua atenção; não funcionaria e eu teria que chegar atrás de você, te encher de beijos, tirar seus óculos ou roubar seu livro para que você finalmente olhasse pra mim.

Durante o desjejum eu faria apelos para que você se alimentasse melhor enquanto devorava tudo que is on the table, com exceção do seu book; largaríamos a louça suja na pia e voltaríamos à cama, que você faria questão de arrumar antes de deitar por pura mania, então eu ficaria tocando violão, que você ouviria feliz e atenta por um tempo, até começar a ver alguma coisa que para você fosse muito interessante no computador; e eu ficaria com ciúmes, talvez de uma conversa que você por ventura estivesse a manter com alguém na internet, talvez do maldito desse livro que você não desgrudava um segundo. Até que num consenso escolheríamos algum filme interessante ou um seriado de tv norteamericano e bobo para assistir. Ficaríamos deitados numa posição clichê de filme de hollywood e depois discutiríamos com elevado teor retórico de quem era a vez de lavar a louça; eu ganharia o debate, mas acabaria lavando; e no calor das duas da tarde, começaria a preparar o almoço, enquanto você soprava a minha nuca e num abraço enxugava o suor das minhas costas. Talvez eu quisesse assistir futebol na tv, talvez tivéssemos algum compromisso social ao cair da tarde, talvez dois compromisso sociais, cada um com o seu - não importa. Você anoiteceria do meu lado, ainda que não estivesse comigo e poderia fazer de uma noite de domingo [e não há nada mais deprimente que uma noite de domingo] um punhado de paz.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Mágoa ou Pra que você saia sem eu lhe bater

Os prédios são melhores que as pessoas. Mudos, imóveis e sólidos. Os prédios são melhores que as pessoas porque são sólidos. Nunca vi um prédio mentir. Eles ficam expostos a sol, chuva, neve, granizo, sem reclamar. Os prédios são bonitos por fora e por dentro. São muito maiores que as pessoas, por fora e por dentro. Os prédios não batem nas pessoas, as pessoas batem nos prédios com carros, punhos, marretas e às vezes até dinamite ou aviões. As pessoas não são confiáveis, os prédios são.
Eu queria mudar de espécie. Virar prédio, morar em alguma rua não muito movimentada e observar do meu canto a vida das pessoas passando e acabando. E eu ficaria ali, serviria de abrigo em dias de sol ou de chuva, Eu queria ser um teatro, ou quem sabe um cinema antigo. Eu seria tombado pelo IPHAN, mas não seria tombado pelos reveses da vida. E as pedras, que hoje se põem no caminho, ao invés de me derrubar, seriam a minha base de sustentação. Queria ser prédio para não precisar de óculos, de comida e para não precisar de amor. Porque amar é uma coisa tão complicada e tão estúpida que os prédios preferem não se arriscar.
Eu preferia ser atacado por cupins, abalos sísmicos, umidade ou mesmo por homens-bomba do que pela incoerência das pessoas.
E se um dia me quisessem derrubar para fazer mais um estacionamento, seria um fim, triste, mas não uma surpresa. Porque dói menos uma demolição realizada com franqueza nas paredes sem alma, do que um mínimo arranhão causado por um espinho da rosa para a qual floriu o coração.

domingo, 23 de outubro de 2011

Jig Saw

[Hello, darling!
I want to play a game:]

Já que você não cresceu
E de tão ruim
Não vale um poema
Da sociedade dos poetas por vir

Mesmo esse poema ordinário [que é ruim só pra te torturar]
Eu deixo aqui
E espero que você leia
Sabendo que não é seu

Vou dedicar para o motorista de ônibus
Que passou na poça
E me molhou quando eu ia pro trabalho

E me lembrou
Que estar na lama é melhor do que na fossa
De onde eu fui te tirar e caí.

domingo, 9 de outubro de 2011

Onde queres poema

Meu texto é concreto
Barulho de ventilador
Riso de funcionário
Travesseiro no chão

Te dão buquês de palavras
Pessoas de mais
Bonitas, bonitos
Bem mais do que eu
Ou se queres conforto

Te oferecem abraços, abrigo.

Safados, sofridos
Vendados, vendidos
Doados, doídos
Corações de mais...

Cantem nos festivais!
Dêem queixa ao bispo
Que impensado, impreciso
Debochado e narciso
Seu poema sou eu

Silence

O amor
É mais bonito em francês
Com sotaque pernambucano
Depois de olhar o silêncio
Dos olhos que estão falando.

Fidelidade

Por causa do sexo
E das coisas que eu sinto

Eu devo dizer
Já que não minto

Que a mente é suja
Mas o coração
Conservo limpo.

Post scriptum

Quanto do meu sal
São Lágrimas?

Quanto do teu mal
São cá, rimas!

Sem palavra e com sabor

Numa cerveja com amendoim japonês
Ou com um recado pregado na parede
Dividindo um pote de sorvete
Fazendo o café para eu acordar

Ela tem ciúmes do poema
Que tira meus olhos dela
Sem saber que é nessa tela
Que eu penduro o meu amor.

Ode

Sempre se acha que sabe amar
Que o seu amor é maior
E que mais vasto é o seu coração
Mas é muito menor.

Se não sou imortal
Que dizer do amor (que tive)?

Que não seja uma chama
Posto que queima
Mas que seja um sorvete
Enquanto dure.

Uns versos

Ei, menina.
Presta atenção

Este poeta
Alma e desejo

De peito aberto
Em explosão

Não quer nada
No teu cinema

Nem o teu filme
O teu roteiro

Nem quer ser
Teu paradeiro

Só quer agora
A tua mão.

A tempestade

Olha, se você quiser o mar
Eu te dou a fúria

Só não me peça o rio insosso
A lentidão

Posso ser o teu incômodo da madrugada
Tua disritmia
Tua mania
O teu "por que não?"

Confissão

Ou se falando de sorte
Eu te falasse de amor

Eu não seria poeta
O fingidor

Que finge que esquece
Que finge que sente

Que sabe que aquece
Aquela idéia dormente.

Transparência

Eu tenho a alma para fora do corpo
E o que isso acarreta:
São mais visíveis meus sentimentos
São mais intensos meus sofrimentos.

Eu tenho a alma para fora do corpo
E a mantenho lavada.

Um privilégio, afinal,
Tenho a matéria guardada
Escondida no que não é mortal.

Nada no bolso ou nas mãos

Eu sou
Aquele poema de outro dia

Eu era
Aquela palavra vazia

Eu vou
Interrogação.

O homem que não tinha palavra nem tostão no bolso

Poeta não tira férias
Nem se aposenta
Mas, às vezes

Inexplicavelmente

As idéias se vão

E o pó, senta.

Um poema errado pra ninguém querer comprar

Nesse imundo
De um tudo se vende
Todas as coisas inúteis
Sem as quais não dá pra viver.

De inútil
Eu só ainda não vi vender
Esses tais pensamentos
Fabricados no meu quengo.

O advogado do diabo

Mesmo faltando

Estética, sentido, métrica
Beleza, importância, ritmo
Sonoridade, tamanho, rima
Ordem, conteúdo, estilo...

Indiferentes à lista de crimes
Meus versos continuam livres.

One more cup of coffe for i go

Um gole quente e preto
Na noite que choveu
Me mostra que por dentro o gelado
Sou eu.

Desencontro

Seria cômico se não fosse triste
Eu amo

Ela nem sabe que o amor existe.

Reciclado

Às cinzas do sol
Que nunca acaba de queimar
Nasce gelado
O luar.

Conspiração

Desde que a lua é vazia
Desde que o sol nasce de dia
E à tarde a lua é amarela
Desde que a Terra é singela
E a terra molhada é cheirosa
Desde que a pétala é rosa
Desde que a luz é brilhante
Desde que o escuro é cortante
E o céu estrelado é bonito
Desde que Deus é infinito

Desde que o tempo é pra frente
Desde que o morto é dormente
Desde que o corpo é pecado
Desde que o mar é salgado
Desde que a vida é dureza
Desde que a morte é certeza
Desde que a vida é o contrário
Desde que o mundo é o cenário
Desde o fim que não sabemos
E do começo até menos

Que tudo foi calculado
Medido e bem desenhado
Pra que, num dia nublado
Estando eu do seu lado
E o mundo todo parado
Me desse um medo danado
Meu sangue acelerado
E o corpo todo gelado
Mas mesmo assim, eu calado
Tivesse enfim te beijado.

Pra não precisar de poema ou canção

Eu te digo no escuro
De mãos apertadas
De rosto colado
De coração tranquilo
De bico calado.

Cotidiano

Os ônibus vão cheios de pessoas
As pessoas vão cheias
Dos ônibus cheios
Do café da manhã sem recheio
Cheias de sonhos
Cheias de sono
De saco cheio.