sexta-feira, 23 de setembro de 2011

O amor nos tempos do cólera

O poeta é um amador
Ama tão intensamente
Que há quem não chame de amor
Antes, chame inconsequente.

Ela, de tanto pudor
Sente tão poetamente
Que nem finge que é dor
Finge que é dormente.

Manias

Tinha cada mania, o rapaz. Por exemplo, jamais entrava embaixo do chuveiro sem fazer o sinal da cruz, e não era religioso, nem tinha qualquer superstição, era mania mesmo. Acendia e apagava a luz, mesmo de dia, para ter certeza que esta não ficaria ligada. Coçava o ouvido quando estava irritado. Dormia balançando o pé, e se deitado de barriga para cima, sempre punha a perna esquerda sobre a direita, jamais o contrário. Se deitado de lado, em posição fetal, punha um travesseiro entre os joelhos. Cobria sempre o peito, jamais o pescoço. Levava as unhas à boca somente quando limpas, jamais as roía. Mordia sem perceber o canto da bochecha. Calçava primeiro o pé esquerdo. Punha todas as coisas sempre no mesmo lugar. Dormia do mesmo lado da cama. Sentava na mesma cadeira. Cruzava as pernas como as mulheres. Mantinha os óculos ao alcance das mãos, quando não estavam no rosto. Tomava banho pulando. Cantava ao dirigir. Cantava mais do que falava. Gostava de agrupar as coisas, de organizar mentalmente coisas aleatórias, como as pessoas andando no calçadão. Tomava café com açúcar, preferencialmente à tarde. Preferia chocolates pela manhã. Deixava o creme dental uniforme dentro do tubo. Mantinha o cabelo simétrico, ainda que despenteado. Bebia água ao acordar. Não suportava o barulho de metais em atrito. Só escrevia nome próprio com a primeira letra maiúscula. Antes de dormir, tudo que imaginava inflava e esvaziava como balões, involuntariamente. Nunca usava a primeira linha do caderno. Usava muito pouco o caderno. Sempre lia durante as aulas e falava ao telefone ao dirigir para conseguir concentrar-se melhor. Fazia operações matemáticas complexas na mente para resolver problemas simples de uma maneira diferente. Gostava de dormir após o almoço e após o sexo. Empilhava livros sempre do maior para o menor. Antes de desligar a TV, punha sempre no mesmo canal. Afinava o violão com as mesmas músicas. Criava regras rigorosas e às vezes incompreensíveis para a elaboração dos seus poemas. Não dizia uma palavra pela manhã antes de escovar os dentes. Implicava com as manias alheias. Punhas as embalagens sempre com o rótulo à mostra. Não conseguia jogar no lixo qualquer coisa que lhe fora presenteada, roupas inutilizadas ou escovas de dentes. Sempre preferia azul ao vermelho, vermelho ao verde. Ficava descalço no cinema, calçava-se novamente antes do fim do filme. Jamais dançava em público. Fazia performances diante do espelho. Não tocava tecidos aveludados. Espirrava três vezes seguidas. Olhava o relógio sem ver as horas. Era extremamente pontual, exceto no trabalho. Jamais escrevia um texto sem fazer parágrafo. Obedecia sempre as regras e adorava quebrá-las, sobretudo as suas próprias.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Predestinação

Quando eu nasci
Um anjo aleatório
Estagiário
Não teve tempo de fazer nada
Que eram tantas crianças
Pra um anjinho qualquer

Olhou pra mim
O anjo coletivo
Atarefado
Não disse que eu seria nada
E eu, nas minhas andanças
Fui ser o que eu quiser.

sábado, 10 de setembro de 2011

Dias de calor

[Parcos leitores, essa é a letra de uma canção que eu compus hoje, fofinha como trilha sonora de novela. Quando eu tiver uma câmera, faço um vídeo e paro de postar só as letras.]

Se você estiver com medo de me ganhar
Venha mais leve, vamos brincar feito criança
Que a vida não cansa de mudar de cor
Que o amor é doce e breve como o sorvete
Nesses dias de calor eu só quero a brisa
Leve, da vida leve que eu quero levar
E que pode ser com você

E se depois tiver medo de me perder
Venha mais leve, que o futuro é impreciso
E agora eu preciso de você
Que o amor pode ser conto ou romance
Nesses dias de calor eu só quero um livro
Leve, da vida leve que eu quero levar
E que eu posso escrever com você

Mas também não é o caso de se prender
Venha mais leve, pode voar como quem sonha
Que sonhar não é diferente de viver
E o seu amor pode mudar de endereço
Nesses dias de calor eu só quero a chuva
Leve, e a brisa leve, e o livro leve, que eu quero guardar
Pra não esquecer de você.