segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Cem anos de solidão

O pulso ainda pulsa!

Enquanto o incomodavam as pontas das penas no travesseiro, gastou uma parte dos seus últimos impulsos elétricos para escrever uma história de amor, dessas de amor impossível: de moça na torre alta e sem cabelos para jogar, de escravo e senhorinha, de lugares distantes sem promoções da gol. Na sua história, amor não era poesia, mais bonito com o sofrimento. Era amor que cansava de tanto não acontecer, que se gastava de  ficar guardado.

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Foi quando resolveu tirar o coração da caixinha que ficava dentro da sacola de TNT fechada com corda de nylon guardada dentro da gaveta de roupas que não servem mais e que ficam esperando serem doadas. Tentou ver se o pouco que restou ainda preenchia o vazio no peito, olhou uma foto dela no facebook e tumtum - tumtum: amou.

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De idade, não era velho, nem roído de amargura. Esqueceu de perguntar ao coração se ele mentia, esqueceu de perguntar que horas eram pro relógio de parede, esqueceu de perguntar pra ela o que sentia. Esqueceu ou não perguntou porque preferia não saber. E foi ser sensível na vida, o bobo.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Conto de sábado

No dia seguinte, você me acordaria em muitas etapas, pois sabe do meu sono de manhã; primeiro com a sua ausência, que me acordaria um pouco, depois o cheiro de café, em seguida, você chegaria sorrateira e me faria um afago, e sorriria do meu mau humor que me faria resmungar absurdos sobre preferir morrer a ter que acordar; sorriria ainda quando eu reclamasse da sua insistência que eu sabia que era essencial, mas que nessa hora pareceria absurda. E você voltaria à cozinha e ficaria lendo alguma coisa sentada perto da porta enquanto eu me arrastava da cama pra tomar um banho que certamente lavaria o meu humor. Depois, quando eu chegasse renascido, encontraria você com olheiras e óculos, com o cabelo despenteado e preso de qualquer maneira, preferencialmente com uma caneta; você estaria vestindo a primeira camisa que viu no cabide [por favor, sempre esteja vestida numa das minhas camisas pela manhã] e simplesmente ignoraria a minha presença porque aquele momento seria só seu. Eu iria à mesa e poderia fritar alguns ovos, se você quisesse, e provavelmente faria piadas sobre as suas habilidades culinárias para chamar sua atenção; não funcionaria e eu teria que chegar atrás de você, te encher de beijos, tirar seus óculos ou roubar seu livro para que você finalmente olhasse pra mim.

Durante o desjejum eu faria apelos para que você se alimentasse melhor enquanto devorava tudo que is on the table, com exceção do seu book; largaríamos a louça suja na pia e voltaríamos à cama, que você faria questão de arrumar antes de deitar por pura mania, então eu ficaria tocando violão, que você ouviria feliz e atenta por um tempo, até começar a ver alguma coisa que para você fosse muito interessante no computador; e eu ficaria com ciúmes, talvez de uma conversa que você por ventura estivesse a manter com alguém na internet, talvez do maldito desse livro que você não desgrudava um segundo. Até que num consenso escolheríamos algum filme interessante ou um seriado de tv norteamericano e bobo para assistir. Ficaríamos deitados numa posição clichê de filme de hollywood e depois discutiríamos com elevado teor retórico de quem era a vez de lavar a louça; eu ganharia o debate, mas acabaria lavando; e no calor das duas da tarde, começaria a preparar o almoço, enquanto você soprava a minha nuca e num abraço enxugava o suor das minhas costas. Talvez eu quisesse assistir futebol na tv, talvez tivéssemos algum compromisso social ao cair da tarde, talvez dois compromisso sociais, cada um com o seu - não importa. Você anoiteceria do meu lado, ainda que não estivesse comigo e poderia fazer de uma noite de domingo [e não há nada mais deprimente que uma noite de domingo] um punhado de paz.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Mágoa ou Pra que você saia sem eu lhe bater

Os prédios são melhores que as pessoas. Mudos, imóveis e sólidos. Os prédios são melhores que as pessoas porque são sólidos. Nunca vi um prédio mentir. Eles ficam expostos a sol, chuva, neve, granizo, sem reclamar. Os prédios são bonitos por fora e por dentro. São muito maiores que as pessoas, por fora e por dentro. Os prédios não batem nas pessoas, as pessoas batem nos prédios com carros, punhos, marretas e às vezes até dinamite ou aviões. As pessoas não são confiáveis, os prédios são.
Eu queria mudar de espécie. Virar prédio, morar em alguma rua não muito movimentada e observar do meu canto a vida das pessoas passando e acabando. E eu ficaria ali, serviria de abrigo em dias de sol ou de chuva, Eu queria ser um teatro, ou quem sabe um cinema antigo. Eu seria tombado pelo IPHAN, mas não seria tombado pelos reveses da vida. E as pedras, que hoje se põem no caminho, ao invés de me derrubar, seriam a minha base de sustentação. Queria ser prédio para não precisar de óculos, de comida e para não precisar de amor. Porque amar é uma coisa tão complicada e tão estúpida que os prédios preferem não se arriscar.
Eu preferia ser atacado por cupins, abalos sísmicos, umidade ou mesmo por homens-bomba do que pela incoerência das pessoas.
E se um dia me quisessem derrubar para fazer mais um estacionamento, seria um fim, triste, mas não uma surpresa. Porque dói menos uma demolição realizada com franqueza nas paredes sem alma, do que um mínimo arranhão causado por um espinho da rosa para a qual floriu o coração.