quinta-feira, 14 de maio de 2015

A barbearia

Tinha que ser exatamente naquele lugar: na parte mais velha da cidade, quase invisível, num prédio velho e sem a vocação para a função comercial que se lhe desejam atribuir, do lado do teatro e da praça boêmia. Tudo naquela barbearia era precisamente do jeito que deveria ser. As cadeiras reclináveis de metal tão maciço e pesado como já não se fabrica há tempos, as tesouras inoxidáveis e a caixa registradora que não deve ter menos de cinquenta anos. Talvez porque representasse um hábito tão em desuso, a barbearia era um museu vivo, bonita e ativa como uma árvore centenária.
Nunca reservei qualquer apreço por nenhuma das coisas convencionalmente masculinas. Em uma sociedade tão machista, cultivar qualquer das representações e costumes associados à masculinidade parece inevitavelmente arrogante e ofensivo. Na barbearia, no entanto, eu confesso que senti, pela primeira vez, um inegável prazer em ser homem.
Explico. Na barbearia, o ser homem adquiria uma delicadeza forte e terna que, eu imagino, no universo masculino deve ser comparável apenas à sensação de ser avô. O barbeiro, senhor Nelson, era a tradução perfeita dessa delicadeza. Devido à minha memória absolutamente sentimental e pouco exata, mal consegui gravar o seu nome, mas os cabelos brancos e a pele que registram sua idade [exatamente como eu gostaria que fosse; por mim, deveria ser proibido tornar-se barbeiro antes dos sessenta anos], e o cheiro de talco nas mãos firmes formam uma lembrança sólida. Senhor Nelson, o barbeiro ideal aquiescia com uma naturalidade espantosa para um homem de sua idade, quando eu pedia um minuto para prender os cabelos.
Numa rara ocasião, meus cabelos longos ou o brinco que espeta minha orelha, em nada pareceram desencaixar-me daquele ambiente cuja noção de masculinidade remonta a outro século. Na barbearia, ser homem era bonito: com súbita intimidade, o barbeiro tocava e moldava o desenho do meu rosto. Suavemente, penteava e cortava os pelos de minha barba. Ao usar a navalha, o senhor Nelson redobrava os cuidados, alertando que minha pele era muito sensível.
Mais sensível, no entanto, era todo aquele ritual. A beleza de confiar o cuidado com meu rosto, de submeter-me, expondo o pescoço à navalha daquele homem, que com ares de anjo e artista, me mostrava que a delicadeza pode ser algo muito masculino. A delicadeza forte de ser homem, assim como é delicada a força da mulher. Foi como ingressar num clube secreto, num rito milenar. Na barbearia eu me orgulhei de ser homem pela primeira vez.

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